◢ Alú Rochya
O fim do mundo. A frase é breve, contundente, inquietante. Toda vez que alguém fala "fim do mundo" pode ser percebido o dissimulado pavor dos ocasionais ouvintes. O pessoal fica sem jeito, dando risinhos nervosos ou, então, lançando alguma ironia, ou um encolhimento de ombros, alguma coisa que sirva para afugentar um pânico repentino, vindo do nada. De preferência, o assunto é evitado. Porém, instalado por bíblias diversas, o tema está aí, no inconsciente coletivo, faz um bom tempo.
Na segunda metade do século 20, toda vez que era lembrado o vindouro ano 2000 -por vezes com profecias outras com brincadeiras-, aparecia aquela ideia do final do mundo. Na verdade, a maioria da população não tinha sequer imaginado viver até 2000, um ponto distante cósmicamente da cotidianidade, um número mais ligado a relatos de ciência ficção que à carnalidade terrena dos calendários Pirelli.
E não é que, afinal, o mundo não se acabou no ano 2000, hein... Mesmo apreensiva, a humanidade decidiu exorcizar seus temores fazendo festa, celebrando a virada de século. E fez bem. Só que uma vez já pisando o indecifrável território do terceiro milênio o assunto nos persegue, pertinaz, teimoso, ameaçante, em predições astrológicas, literatura mística, filmes de catástrofes, projeções científicas. O ponto de inflexão foi em 2012, ano-símbolo das profecias maias que auguravam o que eles chamaram o fim dos tempos.
Já fora por leviandade, ignorância, interpretações errôneas, oportunismo comercial ou mera perversão, vinculou-se o fim dos tempos com a ideia do Armagedom bíblico e se traduz isso como o fim do mundo ou, mais precisamente, como o fim do planeta e a espécie humana.
Em rigor, os maias não anunciaram nenhuma destruição global senão o final de um ciclo planetário y cósmico, que poderia, sim, trazer a aparição de eventos climáticos extremos, mas, sobretudo, o fim da atual civilização humana, baseada num paradigma exclusivamente materialista, competitivo, confrontativo que estimula o medo e o ódio entre as pessoas.
Se pararmos para observar o desenrolar da transformação de nossa realidade cotidiana e refletimos sobre esse fato, iremos constatar que esse tal "fim do mundo" já se verifica no mesmo fim das coisas tal como a gente as conheceu, como elas existiram até há pouco tempo, sejam materiais ou imateriais.
Essa é a tendência. Absolutamente tudo o que foi criado na civilização agonizante terá um fim. É isso que estamos vivenciando e que, em grande medida, desnorteia às pessoas mais velhas. Algumas coisas simplesmente desaparecerão por sempre (espécies, culturas, objetos...) e outras se reciclarão em novos significados, adotando novas formas e espíritos diferentes.
Do trabalho às artes, dos esportes à ciência, da religião à economia, tudo irá se transformando, muito mais rápido do que a gente pode imaginar. Não estamos perante uma crise conjuntural, estamos imersos numa crise estrutural e terminal de uma civilização, de um modo de compreender e administrar a vida em sua totalidade.
Podemos nos fazer de distraídos, sair assoviando baixinho, fechar os olhos às gritantes evidências, porém todos enxergamos que o mundo atual está um caos. Assim, pressentimos que alguma coisa fora da ordem está acontecendo. Já estamos sendo noticiados de mudanças profundas em diversos âmbitos que nos deixam de queixo caído e embargados de receios.
Ondas de calor ou de frio matando milhares de pessoas; derretimento das calotas polares; aumento do nível das águas dos mares; crescente desertificação; veloz degradação dos ecossistemas; chuvas ácidas; tsunamis; terremotos; multiplicação de ciclones; inundações devastadoras; diminuição das fontes de água potável; extinção massiva de diversas espécies animais e vegetais.
Nada disso tudo é profecia nem anúncios apocalípticos a ser verificados no futuro. São fatos, dados concretos, com os quais já estamos convivendo aqui e agora, sem que ainda lhe outorguemos a importância decisiva que têm para nossa própria vida, para nossa sobrevivência mesma. Fatos impactantes que fazem que, em meios científicos já esteja se falando de uma sexta extinção em massa.
Em simultâneo, em nossas sociedades assistimos a inéditas expressões de conflitos, revoltas, guerras, degradação de valores espirituais, atos aberrantes, ondas migratórias, pestes, fome massiva, loucura coletiva.
Em meio a esse quadro dramático, que a gente tenta maneirar no dia a dia, aparece uma inesperada pandemia e todo mundo sente esse estranho sentimento de pânico com silenciador, que gera a sensação de que o fim está ali, à volta da esquina, lembrando o que dizia o poeta: tudo agora mesmo poder estar por um segundo.
Sim, há um apocalipse a caminho.
E teremos aquele gran finale, sim ou sim.
Apocalipse soa como uma palavra sinistra, pavorosa, por estar vinculada à ideia bíblica de um fim do mundo trágico, que arrancaria do planeta a humanidade toda exceto uns poucos escolhidos pela divindade.
E, na verdade, todo o cenário foi configurando-se para um destino de hecatombe, ainda mais nas últimas décadas. Segundo o último informe Nuclear Weapons Ban Monitor, os nove países considerados potências nucleares possuem um total de 9.576 ogivas (bombas) pronta para serem usadas, com um poder equivalente a mais de 135.000 bombas atômicas como aquela jogada em Hiroshima. Dá para aniquilar várias vezes a todas as espécies terrenas.
Contudo, o significado da palavra apocalipse nada tem a ver com nenhum Armagedom nem calamidade parecida. Apocalipse significa, literalmente, revelação. É o descobrimento, a apresentação de uma grande verdade já anunciada há séculos atrás em diversos lançamentos proféticos.
Foi Jesus quem falou aquela sentencia revelada no versículo bíblico João 8:32 que diz: "E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará". Essa verdade vai se revelando aos poucos e mostrando e demonstrando que nem tudo é matéria densa, palpável, visível nem tudo começa e acaba com ela. Há muito mais por trás dos corpos, das coisas, das aparências. E é aí, nos bastidores espirituais, onde se desenrola a verdadeira existência das coisas que encontram na matéria sua manifestação visível.
Traduzindo para os tempos atuais poderíamos dizer que a posse, a propriedade e o controle que as elites mantém das representações materiais -coisas, pessoas, terras, animais, etc- é um engano, pois elas exercem a sujeição do vasilhame, mas não do conteúdo. Quando as pessoas tomarem consciência disso, alcançarão a verdade, acabarão com sua própria ilusão e, assim, ficarão libertas.
Estamos atravessando um período de tribulações no qual o arcabouço do sistema vai rasgando. É o início de uma transição dos tempos de escuridão -regidos por um apego trágico ao materialismo- para uma nova civilização. Surge outro modo de estar no mundo, onde uma maior espiritualidade, baseada no amor incondicional e os valores universais, pode gerar um equilíbrio mais frutífero e feliz entre a densa matéria -onde tudo se manifesta- e o sutil espírito -que a tudo lhe da vida.
Hoje a existência se nos apresenta caótica, contraditória. Por uma parte, multiplicam-se os fatores que nos separam. O ódio, a agressão banal, os enfrentamentos ideológicos, divisões religiosas, falsos modelos de moralidade, duvidosos nacionalismos. Mas, ao mesmo tempo, nunca houve tantas e diversas expressões de amor entre os humanos. Mais pessoas estão na procura da paz, apreendendo a controlar suas emoções, sendo mais tolerantes e compreensivas com seus semelhantes, dando lugar a circunstâncias de respeito e solidariedade, de unidade com o planeta e o cosmos.
Em meio ao caos, hoje experimentamos um mundo de simulação. Se imita a verdade, finge-se o que é. Vivemos numa sociedade de mentiras, de falsificações, de imagens, de aparências. Os polêmicos projetos do Metaverso e do ChatGPT pretenden converter a cada um de nós numa mentira, nos subtrair da condição de seres reais -e, por tanto, verdadeiros- para devir em personagens de uma ficção de algoritmos, predeterminada por um punhado de programadores digitais.
Estamos experimenando o que os maias profetizaram. Eles falaram que a definitiva desestruturação da atual civilização materialista seria precedida por uma etapa de escuridão, na qual o céu e o inferno estarão se manifestando ao mesmo tempo. E cada ser humano viverá em um ou em outro, dependendo de seu próprio comportamento. No "inferno", com a ignorância, para aprender, na marra, com sofrimento. Ou no "céu", com a sabedoria para transcender voluntariamente tudo o que vir a acontecer, seja bom ou ruim, e assim aprender, crescer, evoluir e até ser feliz no meio do caos.
De um jeito ou de outro, esse é caminho que cada um de nós têm na frente para o mesmo objetivo: sanar as dissonâncias que desconfiguran nossa natural harmonia. Só que na escolha do céu, do próprio céu interno, aquela parte luminosa de nosso ser, mesmo que resultando ardua será menos dolorosa que atravessar as chamas de nosso inferno.
Os maias sublinhavam que isso seria desse jeito porque o passo evolutivo de uma civilização esgotada para uma nova não seria de maneira coletiva senão individual. A partir dessas mudanças individuais, então, seria possível a conformação de novos coletivos sociais.
Quatro séculos antes de Jesus, o filósofo Aristóteles já dizia que a única verdade é a realidade. No século 20, o indiano Krishnamurti deu continuidade a isso com uma brevíssima definição: o que é, é o que é. E pronto.
Isso nos leva pensar na necessidade de fugir dos enganos da ilusão elevando nossa consciência, nossa capacidade de ler a realidade como ela é. Enxergar o mundo com uma mirada penetrante que transcenda a superficialidade dos fatos. Transpassar o muro virtual dos discursos ocos, das publicidades enganosas, do marketing impositor, da notícia sensacionalista, dos símbolos vazios. Não apelando apenas para os nossos limitados sentidos, mas, sobretudo, para esse magnífico sistema de informação que é a intuição. E será por aí que acharemos a ponta da meada e começaremos a tirar as máscaras que disfarçam a verdade.
O velho mundo está agonizando. E em paralelo e em simultâneo outro mundo pugna por nascer. Nesse intermédio é que estamos, no meio do nada e no meio do tudo. Numa transição que endereça para outra dimensão da experiência humana. Transição que não será leve nem fácil, porém alumiará uma vida nova, um tempo melhor, mais justo, mais harmonioso, mais integrado.
Isso será o basamento do projeto final do ser humano, do verdadeiro humano, um ser de outro patamar evolutivo que converterá em simples memória a angustiante realidade deste presente de egoísmos, injustiças, violência, medo, ódio, desamor. Será o tempo de um humano espiritual, transcendente, livre, amoroso, belo. Será o tempo da delicadeza.✤
0 comments